"Afastar muitos para longe do rebanho, foi para isso que eu vim!" Nietzsche

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

SAÚDE MENTAL, uma sábia reflexão de Rubem Alves...


Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.
Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maikóvski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh se matou. Wittgenstein se alegrou ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakóvski suicidou.
Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.
Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as ideias se comportam bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado, nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme!), ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, que tenha a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa…
Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idiotas de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. É claro que nenhuma mamãe consciente quererá que o seu filho seja como Van Gogh ou Maiakóvski. O desejável é que seja executivo de grande empresa, na pior das hipóteses funcionário do Banco do Brasil ou da CPFL. Preferível ser elefante ou tartaruga a ser borboleta ou condor. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego. Mas nunca ouvi falar de político que tivesse stress ou depressão, com exceção do Suplicy. Andam sempre fortes e certos de si mesmos, em passeatas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.
Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.
Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas se chama hardware, literalmente coisa dura e a outra se denomina software, coisa mole. A hardware é constituída por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. A software é constituída por entidades espirituais – símbolos, que formam os programas e são gravados nos disquetes.
Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos, o cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo espirituais, sendo que o programa mais importante é linguagem.
Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.
Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos do Drummond e o corpo fica excitado.
Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e acessórios, o software, tenha a capacidade de ouvir a música que ele toca, e de se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta, e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei, no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou.
A beleza pode fazer mal à saúde mental. Sábias, portanto, são as empresas estatais, que têm retratos dos governadores e presidentes espalhados por todos os lados: eles estão lá para exorcizar a beleza e para produzir o suave estado de insensibilidade necessário ao bom trabalho.
Dadas essas reflexões científicas sobre a saúde mental, vai aqui uma receita que, se seguida à risca, garantirá que ninguém será afetado pelas perturbações que afetaram os senhores que citei no início, evitando assim o triste fim que tiveram.
Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente perigosos. Já o roque pode ser tomado à vontade, sem contra indicações. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do Dr. Lair Ribeiro, por que arriscar-se a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. A saúde mental é um estômago que entra em convulsão sempre que lhe é servido um prato diferente. Por isso que as pessoas de boa saúde mental têm sempre as mesmas ideias. Essa cotidiana ingestão do banal é condição necessária para a produção da dormência da inteligência ligada à saúde mental. E, aos domingos, não se esqueca do Sílvio Santos e do Gugu Liberato.
Seguindo esta receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, ao invés de ter o fim que tiveram os senhores que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já não mais saberá como eles eram.
(Provavelmente escrito em 1994)

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Instituto do Sangue abre a porta à dádiva de homossexuais. São boas notícias! Mas ao mesmo tempo é ridículo estarmos no ano 2015 e ainda se andar com "relatórios" e "estudos" destes. Mas o caminho faz-se caminhando...


Ainda não está concluído o relatório do grupo criado pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) para rever os critérios da dádiva de sangue por homo e bissexuais, mas o texto final foi genericamente aprovado na semana passada e a versão definitiva deverá ser redigida nos próximos dias, apurou o PÚBLICO.
O relatório será depois enviado ao ministro da Saúde, que poderá ou não aceitar as recomendações e alterar a política que hoje proíbe a dádiva de sangue por “homens que têm sexo com homens” – designação que inclui homo e bissexuais.
Não é conhecido o teor do texto aprovado pelos sete membros do grupo de trabalho, mas num debate promovido a 23 de Junho pela Ordem dos Médicos, em Lisboa, o presidente do conselho directivo do IPST já tinha desvendado o sentido das recomendações.
“Portugal vai com certeza mudar, assim que tivermos os resultados do grupo de trabalho”, revelou Hélder Trindade, referindo-se ao período durante o qual um homossexual ou um bissexual pode ser impedido de dar sangue. “Se vai ficar cinco anos, um ano, seis meses, isso não sei dizer, depende do grupo”, acrescentou. Desde 2011 o Reino Unido autoriza homo e bissexuais a dar sangue desde que estejam pelo menos 12 meses sem praticar sexo anal, com ou sem preservativo.
No debate da Ordem dos Médicos, Hélder Trindade admitiu ter “medo de mexer” nos actuais critérios porque isso “vai alterar os valores do risco residual”, ou seja, o risco de colheita de sangue infectado mesmo depois de todos os procedimentos e triagens. “Se mexermos, porque vamos mexer, vamos aumentar o risco residual e teremos de pôr barreiras muito anteriores”, revelou. Ou seja, colocar aos dadores questões que eles podem considerar melindrosas.
Para Hélder Trindade, uma mexida nos critérios de exclusão implicará um aumento no universo de dadores, logo, um maior número de pessoas seropositivas entre os potenciais dadores. Quer, por isso, alterar os inquéritos de triagem.
Actualmente, homossexuais e bissexuais estão proibidos de dar sangue em Portugal, apesar de uma resolução da Assembleia da República, proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada em 2010 sem votos contra, recomendar ao governo a “elaboração e divulgação de um documento normativo” que “proíba expressamente a discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual”.
O manual de triagem do IPST, de Outubro de 2014, determina que os infectados pelo VIH/sida estão definitivamente proibidas de dar sangue. Porém, as pessoas com um parceiro estável seropositivo ou que tenham tido sexo ocasional com um indivíduo com VIH, determina, respectivamente, uma “suspensão temporária” da dádiva de sangue, sem indicar prazo, e uma “suspensão de seis meses após o último contacto”.
Na prática, qualquer homem que se apresente num serviço de recolha de sangue só é aceite se declarar que nunca teve quaisquer contactos sexuais com outros homens.
Isso mesmo foi confirmado pelo presidente do IPST em audição na Comissão da Saúde da Assembleia da República, em Abril passado: “Se o dador admite que é homossexual mas não admite que teve práticas sexuais com homens, pode dar sangue”, disse Hélder Trindade.  À saída, declarou aos jornalistas: “Tenho um critério para o heterossexual e outro diferente para o homossexual que tem coito anal porque na população homossexual existe uma prevalência elevadíssima de VIH.”
O designado Grupo de Trabalho sobre Comportamentos de Risco com Impacto na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores começou a trabalhar em Dezembro de 2012 e é composto por sete especialistas, incluindo uma representante do instituto.
Os prazos das conclusões do grupo têm sido ultrapassados de forma consecutiva, incluindo o limite de 30 de Junho, estabelecido pelo ministro da Saúde. A mais recente data era 31 de Julho e também foi ultrapassada. “Pondera-se que seja durante o mês de Julho”, escreveu há duas semanas o chefe do gabinete do ministro da Saúde, Luís Vitório, em resposta a uma pergunta do Bloco de Esquerda.
Até este domingo, o IPST não tinha respondido a várias tentativas de contacto feitas ao longo dos últimos dias. O mesmo aconteceu com o Ministério da Saúde, apesar de o assessor de imprensa Miguel Vieira ter prometido resposta por parte do secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde a um conjunto de perguntas enviadas pelo PÚBLICO. O IPST é tutelado pelo Ministério da Saúde...