Escrevi este texto e enviei-o dia 8 de Outubro a um jornal diário, com o objectivo de o publicarem e de abordarem a Saúde Mental. Mas infelizmente no dia 10 de Outubro, dia Mundial da Saúde Mental, não publicaram o texto (isso é ao menos), o pior e o decepcionante é que pouco (para não dizer nada) se falou sobre a Saúde Mental nos media...
Não tenho uma "tiragem" como um jornal diário, mas com certeza que alguém há-de ler, por isso aqui vai...
Hoje comemora-se o dia Mundial da Saúde Mental. Será que a saúde mental em Portugal, tem algo a comemorar?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) dedicou em 2001 o seu relatório anual à saúde mental, dando realce à sua importância. Nele a OMS afirmava que “se estiverem correctas as projecções, caberá à depressão nos próximos 20 anos a distinção de ser a segunda das principais causas da carga mundial de doenças”.
A realidade nacional segundo o Plano Nacional de Saúde 2004-2010 (PNS) é que, a estimativa (estimativa, porque está em preparação, desde 2001 o primeiro Estudo Nacional de Morbilidade Psiquiátrica na Comunidade) da prevalência de perturbações psiquiátricas na população geral ronda os 30% (três milhões de portugueses), sendo aproximadamente de 12% (um milhão e duzentos mil portugueses) a de perturbações psiquiátricas graves, embora não existam dados de morbilidade psiquiátrica, de abrangência nacional, que permitam uma melhor caracterização do país. Penso que são números que demonstram que uma intervenção urgente é essencial.
A depressão pode atingir cerca de 20% da população (dois milhões de portugueses), tendendo a aumentar, e é a primeira causa de incapacidade, na carga global de doenças, nos países desenvolvidos. Em conjunto com a esquizofrenia, é responsável por 60% dos suicídios em Portugal. Verificamos que a saúde mental é um problema que deveria ser prioritário, mas assim não acontece.
Em 2006, foi criada uma Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental (CNRSSM), com o objectivo de: Completar a rede nacional de Serviços Locais de Saúde Mental e promover a diferenciação dos cuidados prestados por estes serviços; Desenvolver serviços e programas para a reabilitação e desinstitucionalização; Desenvolver os serviços de âmbito regional necessários para complementar os serviços locais em áreas específicas; Coordenar a reestruturação/desactivação dos hospitais psiquiátricos à medida que as respostas por eles asseguradas forem sendo transferidas para outros serviços.
Mas a falta de recursos humanos e a escassez do financiamento levou a que os hospitais psiquiátricos fossem desactivados sem estarem no terreno as respostas previstas para fazer face a esse encerramento. Ou seja, verifica-se uma reforma a duas velocidades, em que a velocidade do encerramento é francamente superior à abertura dos novos serviços na comunidade (hospitais de dia, acesso facilitado a consultas ou a unidades de cuidados continuados, criação de mais equipas comunitárias e de residências protegidas).
Segundo o Relatório da Primavera de 2009 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) “A reforma dos serviços de saúde mental ainda está por fazer. Não podemos esquecer que Portugal não cumpre ainda muitos dos compromissos assumidos com a Declaração de Helsínquia, em 2005, e que uma boa parte da população continua sem quaisquer cuidados” nesta área, como reconhece o autor do Plano de Reforma e coordenador Nacional para a Saúde Mental.
O Ex-ministro da Saúde, Correia de Campos, num dos seus muitos trabalhos enquanto docente, afirma “a psiquiatria tem uma elevada morbilidade, mas uma reduzida mortalidade”. Mas se possui uma elevada morbilidade, ou seja, se existem muitas pessoas doentes é necessário oferecer-lhes ajuda. E para que isso aconteça é necessário recursos na comunidade. Devido a essa falta de recursos a consulta do Migrante no Hospital Miguel Bombarda, que dava apoio aos imigrantes, fechou as portas.
Outro obstáculo que se coloca quando se fala em saúde mental é o estigma. O estigma infelizmente continua a ser perpetuado através de palavras, não só mas também, por parte de profissionais que vivem delas e que têm o poder e a influência de mudar mentalidades e de consciencializar a comunidade.
Expressões como, esquizofrénico, bipolar, toxicodependente e alcoólico, são muitas vezes usadas nos media e pela população em geral. Reduzir a pessoa à doença é perpetuar o estigma. A pessoa tem uma esquizofrenia, tem uma dependência de substâncias. Não é a esquizofrenia, não é toxicodependente que tem a pessoa. A pessoa é mais do que a doença, esta é uma parte dela.
Nos últimos tempos tem-se falado muito dos “choques eléctricos” e de como são violentos e desumanos. Mais uma vez palavras e conceitos mal usados, ajudam a perpetuar o estigma na saúde mental. A terapia usada é designada por Electroconvulsivoterapia (ECT) e não “choques eléctricos”. Não é só na área da saúde mental que se usa a electricidade para tratar, curar, salvar. Na medicina em geral, usa-se a electricidade com fins terapêuticos. Como por exemplo a desfibrilhação (usada na paragem cardio-respiratória), ou a cardioversão (usada nas arritmias cardíacas com eminente risco de vida). Sendo que nestes casos, não se coloca a hipótese de serem violentos ou desumanos. A ECT é realizada sob anestesia. Neste procedimento estão presentes, um anestesista, um psiquiatra e ainda um enfermeiro. A ECT é administrada quando os doentes não respondem à medicação e é uma óptima terapia para melhorar as doenças psiquiátricas, como depressões graves com ideação suicida, em que os resultados são francamente positivos.
Para reduzir o estigma em saúde mental é necessário iniciativas como UPA - Unidos Para Ajudar, que juntou vários artistas como Camané, Sérgio Godinho, Xutos e Pontapés, Jorge Palma, Rui Reininho e muitos outros, na criação, divulgação e venda de um CD, com temas relacionados com a saúde mental, com o objectivo de sensibilizar a comunidade para esta realidade e de ajudar a Associação de Apoio às Pessoas com Perturbação Mental Grave.
Uma forma de reduzir o estigma e de melhorar a saúde mental em Portugal, é abordar esta temática na sociedade, através de campanhas sérias, massificadas, sem tabus e com linguagem adequada e correcta, envolvendo os actores sociais (políticos, governantes, artistas, profissionais de saúde, figuras públicas, autoridades policiais e judiciais, representantes de associações de utentes e muitos outros). É necessário munir os cuidados primários de recursos para realizarem o objectivo de melhorar a saúde mental. É necessário realizar o primeiro Estudo Nacional de Morbilidade Psiquiátrica na Comunidade, que está prometido desde 2001, para se saber quantas pessoas há com perturbações psiquiátricas, que perturbações são essas e como estão distribuídas pelo país; e abrir serviços de psiquiatria com internamento nos hospitais gerais, mas com números de camas adequadas à realidade da zona. E é claro, ter vontade política.
É fundamental uma reforma empenhada em clarificar mitos, reduzir a vergonha, informar claramente o que é a doença mental e a saúde mental, com o objectivo primordial de esclarecer, incentivar a procura de ajuda e de aumentar a adesão à terapêutica, caso necessária.
Reduzir a lista de espera em relação às cirurgias é necessário. Mas oferecer ajuda a alguém, cuja saúde mental se encontra diminuída, de uma forma equitativa e célere é premente. Principalmente em tempos de crise, pois está mais do que documentado, que nessas épocas ocorre uma deterioração marcada da saúde mental do cidadão.
A saúde mental, os utentes, familiares e profissionais desta área tão importante da saúde, foram, são e continuam a ser estigmatizados, marginalizados e colados a palavras e a conceitos errados e injustamente utilizados. Já chega o sofrimento que a doença mental produz e que tantas vezes é incompreendido.
Referindo o escritor Alexandre Dumas, criador da mítica obra literária “Os três Mosqueteiros”… “Um por todos e todos por um”… Só assim é que conseguiremos melhorar a saúde mental da nossa comunidade.
1 comentário:
A saúde mental de uma sociedade é um indicador poderoso de qualidade civilizacional e de desenvolvimento humano. Infelizmente, por cá poucos a entendem assim...
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