"Afastar muitos para longe do rebanho, foi para isso que eu vim!" Nietzsche

terça-feira, 30 de março de 2010

Portugal é o país da Europa com mais doentes mentais...

Finalmente o primeiro Estudo Nacional de Morbilidade Psiquiátrica na Comunidade, anunciado desde 2001, foi realizado.
Estamos em 2010 e o primeiro estudo para saber o estado da saúde mental dos portugues foi feito. Podia ser o segundo, o terceiro, ou simplesmente uma actualização de um outro já feito, mas não! Estamos em 2010 e é o primeiro. Vê-se logo a importância que se dá à saúde mental em Portugal...


E já existem alguns números, que apanharam de “surpresa” o coordenador nacional para a saúde mental, Caldas de Almeida.


Portugal é o país da Europa com a maior prevalência (número de casos de uma dada doença, ou condição, presente, numa dada população, num momento cronológico preciso) de doenças mentais na população e aproxima-se perigosamente no campeão mundial Estados Unidos. Ou seja, somos medalha de prata nos países desenvolvidos…


No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23% ou seja, dois milhões e trezentos mil portugueses) e quase metade (43% ou seja, quatro milhões e trezentos mil portugueses) já teve uma destas perturbações durante a vida. 67% dos doentes graves estão sozinhos com o seu problema e nunca tiveram qualquer tratamento. 38,9% dos portugueses que sofreram de perturbações graves foram acompanhados em serviços especializados em saúde mental. 33,6% dos portugueses de perturbações mentais graves, não tiveram qualquer tratamento. As perturbações psiquiátricas com maior prevalência, são as perturbações de ansiedade.


Segundo Caldas de Almeida, da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. O psiquiatra e coordenador nacional para a área de saúde mental e Presidente da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental, explica a falta de tratamento por dois factores: “o estigma social que leva as pessoas a terem vergonha de procurar um médico e ao mesmo tempo a ausência de serviços especializados próximos, que cria dificuldade de acesso.”



É curioso que no Relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental de Maio de 2006 http://www.saude-mental.net/pdf/vol8_rev6_editorial.pdf, ou seja, quatro anos antes de se saber os resultados do estudo de 2010 , cujo coordenador foi o mesmo Caldas de Almeida. Se defenda o encerramento progressivo de instituições/hospitais psiquiátricos.
Nesse relatório pode ler-se um documento elaborado pela FNAFSAM (Federação Nacional da Associações de Famílias Pró Saúde Mental) foram extraídas as seguintes considerações:

A redução de camas nos hospitais psiquiátricos, o encurtamento das estadias, a orientação de não facilitar novos internamentos, o acrescido relevo do ambulatório, a limitada implementação de respostas de natureza comunitária (incluindo as residenciais), concorrem para que os doentes regressem ou permaneçam nos seus domicílios, quer autónomos quer no das famílias de origem, o que é mais vulgar entre nós.


O Senhor Caldas de Almeida (que foi Coordenador do Programa de Saúde Mental da Região de Lisboa entre 1996 – 2000), afirma actualmente que a “ausência de serviços especializados próximos, que cria dificuldade de acesso.”
(Quadro retirada do documento - Rede Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental 2004 http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i007439.pdf )


Pode verificar-se no quadro acima, que o número de camas nos hospitais psiquiátricos tem vindo a diminuir. Mas não é só o número de camas, é também o número de locais de atendimento. Pois em 2000 o mesmo senhor Caldas de Almeida antes de ir trabalhar para Washington DC como Coordenador do Programa de Saúde Mental da OMS para as Américas, onde foi responsável pelo apoio técnico da OMS aos países das Américas na implementação de políticas e planos nacionais de saúde mental e no desenvolvimento da capacidade de investigação em saúde mental (2000 – 2005), fez com que a urgência psiquiátrica nos Hospitais Miguel Bombarda e Júlio de Matos com uma lotação total de 22 camas fecha-se e fosse aberta uma urgência de psiquiatria no Hospital de Curry Cabral que abrange a mesma área populacional das urgências psiquiátricas atrás citadas, mas com uma lotação de 9 camas.


Compreende-se que se queira fechar os grandes hospitais psiquiátricos e abrir pequenas unidades espalhadas pelo país. É o que a OMS (Organização Mundial de Saúde) preconiza. Não se pode é fazer o que actualmente está acontecer. Que é reduzir camas e fechar hospitais direccionados para a saúde mental e não dar soluções, não dar alternativas. E depois ficam “surpreendidos” com os 23% de prevalência, ou seja, dois milhões e trezentos mil portugueses que sofrem de perturbações psiquiátricas e indignados com os 33,6% de portugueses que sofreram de perturbações mentais graves e que não tiveram qualquer tratamento.


O que tem que se dizer é que as pessoas, os portugueses que infelizmente sofrem de perturbações psiquiátricas são doentes de quinta categoria e que embora o estudo apresente resultados de 23%, ou seja, dois milhões e trezentos mil portugueses doentes. Na realidade para a enormidade deste problema de saúde pública, não se está a fazer nada para o combater. Nem mesmo aumentar o acesso ao tratamento, nem tão pouco ajudar a procurar o tratamento quando não se tem critica/insight para o fazer.


Áreas como a diabetes, a obesidade, as doenças cardiovasculares, as neoplasias, o hiv-sida (que as pessoas com perturbação psiquiátrica também sofrem), cuja a prevalência não é tão elevada como as perturbações psiquiátricas, verifica-se um esforço por parte do Estado para combater estes flagelos. Mas na área da saúde mental não.


Realmente o psiquiatra e coordenador nacional para a saúde mental Caldas de Almeida tem razão quando diz que “o estigma social que leva as pessoas a terem vergonha de procurar um médico.” Mas devia também dizer que o estigma social também é o Estado não investir na acessibilidade para que dois milhões e trezentos mil portugueses se tratem.


Como se pode perceber, está-se a reduzir as camas nos hospitais psiquiátricos e a diminuir os locais de acesso desde há vários anos. Mas o primeiro estudo de Morbilidade Psiquiátrica na Comunidade em Portugal que permite saber o número de portugueses que sofrem de perturbações psiquiátricas, onde vivem, como vivem, que idade têm e quem são, só ficou finalizado em 2010.


Primeiro reduz-se camas e encerra-se hospitais psiquiátricos, depois fazem-se os estudos e no final indignam-se e afirmam que “ausência de serviços especializados próximos, que cria dificuldade de acesso.”

Por alguma razão quando este mês se fez a avaliação do plano nacional de saúde 2004 - 2010, a nota da área da saúde mental em Portugal, foi como direi, uma lástima.

E são eles especialista em saúde mental, vai-se lá perceber…

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